O financiamento de longo prazo para investimentos em infraestrutura continua a ser um grande desafio a ser enfrentado pelas empresas e pelo país. Volumes elevados, prazos longos e juros compatíveis com os retornos dos projetos encontram um mercado local ainda restrito.

A saída mais racional seria aumentar o acesso das empresas ao mercado internacional, hoje utilizado por companhias exportadoras, que conseguem mitigar os custos de hedge e a carga tributária. Para as demais, porém, essa é uma solução cara, usada como último recurso. Isso faz com que as empresas com ratings mais elevados – justamente aquelas que teriam maior acesso ao mercado internacional – pressionem os mercados locais, aumentando o custo para toda a cadeia de tomadores de financiamentos.

É evidente, portanto, a necessidade urgente de se criar alternativas para o financiamento de longo prazo, com potencial de destravar novos investimentos que, além de apoiar de forma decisiva a retomada da economia, reduzirão os gargalos históricos da infraestrutura brasileira. De acordo com o Relatório Anual da Abdib, no ano passado foram investidos em infraestrutura R$ 131,7 bilhões, um volume ligeiramente maior que os R$ 122,8 bilhões de 2018 e os R$ 115,2 bilhões de 2017 (em valores atualizados). É muito pouco para as necessidades de um país como o Brasil, carente de infraestrutura em quase todas as frentes.

Para preencher minimamente as lacunas do setor e estimular o aumento da produtividade e da competitividade brasileiras, precisaríamos investir cerca de R$ 300 bilhões ao ano, ao longo de pelo menos uma década. A pergunta é como.

A resposta está nas propostas de diversos projetos de lei, atualmente em tramitação, e na maturidade dos ambientes regulatórios. A conjunção dessas duas vertentes poderá dar ao Brasil as condições de ampliar o nível de investimentos em atividades de infraestrutura cruciais para o crescimento sustentável da economia e para o bem-estar da sociedade: água e saneamento, gás e energia, rodovias, portos, entre outros. Só a criação e o aperfeiçoamento de mecanismos eficientes de financiamento e a atração de investidores farão com que o Brasil atinja esse novo patamar na infraestrutura.

A criação de novas alternativas para captação de recursos, conforme proposto pelo Projeto de Lei 2.646 / 2020 (PL 2.646), é hoje a principal iniciativa nesse sentido e tem potencial real de alavancar o investimento no setor. Se levarmos em consideração a perspectiva de alguns anos de juros baixos no país – o que levará a um ambiente mais favorável para esse tipo de investimento – o potencial do PL é ainda maior.

Sua finalidade é a criação de uma nova modalidade de títulos de dívida (as chamadas “debêntures de infraestrutura”) e assim atrair um tipo de investidor – em especial estrangeiros e fundos de pensão locais – que tem participação quase inexistente nos modelos atuais de debêntures incentivadas. O PL também cria incentivos às emissões de empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governança e se encaixam no que vem se popularizando no mercado financeiro como investimentos ESG.

Nos últimos tempos, os principais instrumentos de financiamento de infraestrutura perderam força, e não apenas devido aos efeitos da pandemia da covid-19. O BNDES, a principal fonte de recursos até a metade desta década, reduziu seus investimentos em infraestrutura a partir de 2014, saindo de um volume de aproximadamente R$ 92 bilhões para R$ 25 bilhões em 2019, gradativamente sendo substituído pelo mercado de capitais. O problema é que isso ocorreu de forma absolutamente insuficiente. Até agosto deste ano, o mercado de capitais investiu por volta de R$ 11 bilhões no setor através de debêntures incentivadas, uma queda de 35% em relação ao mesmo período de 2019. Além dos efeitos nefastos da pandemia, a queda das taxas de juros provocou uma rápida migração dos investidores da renda fixa para a renda variável, que envolve riscos maiores ao mesmo tempo em que promete retornos mais elevados.

A Lei nº 12.431, ou lei das debêntures incentivadas, promulgada pelo governo federal em 2011, surgiu com a mesma finalidade de alavancar o financiamento de infraestrutura por meio do mercado de capitais. Trata-se de um dispositivo de extrema importância, amplamente utilizado pelas empresas, mas que poderá se tornar ainda mais eficiente com as alterações propostas pelo PL 2.646.

Emissões de títulos de dívida no mercado internacional podem ser um instrumento relevante para complementar o financiamento da infraestrutura, nesse novo cenário de mercado. Apenas em 2019 foram emitidos em torno de US$ 114 bilhões por empresas latino-americanas – sendo 25% desse total por companhias brasileiras – enquanto até agosto de 2020 já foram emitidos aproximadamente US$ 99 bilhões – 18% apenas por companhias brasileiras. Esses números mostram que, apesar de todas as dificuldades do ano de 2020, o mercado se mantém aquecido, reforçando o interesse pela compra de títulos de dívidas de longo prazo.

Apesar de todo apetite do investidor estrangeiro por títulos internacionais de dívidas brasileiras em dólar, foram raras as vezes em que eles participaram de emissões de debêntures de infraestrutura no mercado brasileiro, de acordo com a legislação em vigor. A possibilidade de emissão de títulos em dólar, conforme previsto no Projeto de Lei 2.646, também ajudará a destravar o mercado para que fundos de pensão e seguradoras invistam em debêntures de infraestrutura, já que atualmente as debêntures incentivadas têm demanda orientada a pessoas físicas, fundos de investimento e carteiras de bancos.

O novo projeto de lei, caso aprovado, trará, portanto, contribuições importantíssimas para um setor vital para o Brasil: fomentará a maior participação de investidores estrangeiros e fundos de pensão, concederá benefícios fiscais diretamente ao emissor, possibilitará a emissão diretamente no mercado externo, ampliará o prazo para a demonstração de gastos de 24 meses para 60 meses e incentivará emissões de green bonds, por meio de tratamentos fiscais diferenciados. E, tão ou mais importante: contribuirá para consolidar o Brasil como nação engajada na transição para uma economia sustentável, tanto do ponto de vista ambiental quanto social. Não é pouca coisa.

Gustavo Estrella é CEO da CPFL Energia

 

Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Fonte: Valor Econômico

Um novo marco legal para o investimento em infraestrutura

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